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Como classificar os tributos?

Aqui você vai encontrar:

– Como e por que diferenciar cada espécie tributária?

– Nossa conclusão

Como e por que diferenciar cada espécie?

No último post vimos quais são as espécies de tributos e suas características gerais.

Mas ainda há a dificuldade de se saber como identificá-las na prática.

Isto é relevante porque apenas se tivermos critérios objetivos conseguimos determinar qual é a espécie do tributo que está sendo cobrado e, a partir daí, conseguimos saber quais as normas aplicáveis para ele.

Pode parecer estranho, mas o Brasil está cheio de exemplos de tributos que são instituídos com um nome, mas na verdade possuem natureza de outro tributo. Assim, por exemplo, se um determinado Ente cria uma taxa, sem identificar qual o serviço público ou a atividade de poder polícia remunerada por ela, ele poderá, na verdade, estar pretendendo criar um imposto, contrariando ao que a Constituição diz.

Por isso, é preciso identificar quais são as classes de tributos a partir de elementos objetivos e, quando nos depararmos com um tributo, é preciso classificá-lo a partir destes critérios, para saber qual a sua natureza e, a partir daí, quais as regras e normas ele deve obedecer para que seja cobrado de forma legítima.

Vamos ver, então, como podemos tentar classificar as cinco espécies de tributos que vimos acima.

Segundo o CTN (que foi editado em 1966), existiriam três tipos de tributos: impostos, taxas e contribuições de melhoria (artigo 5º).

Apesar desta previsão expressa, permanecia a dificuldade de se enquadrar os tributos existentes nestas três espécies, motivo pelo qual os doutrinadores do Direito Tributário buscaram diversas formas de identificar os aspectos mais relevantes dos tributos, para, a partir destes critérios, identificar qual seria a sua espécie.

Uma primeira teoria, seguida por muitos nomes relevantes, chamada de dicotômica, passou a dividir os tributos em duas categorias: (i) vinculados; e (ii) não vinculados a uma atuação estatal.

Isto é, segundo esta corrente, era preciso verificar qual o fato gerador do tributo e verificar se ele estava ou não vinculado a uma atuação estatal, isto é, se o fato gerador decorria de uma atividade praticada pelos contribuintes ou pelo Estado.

Os impostos, assim, estariam na categoria dos não vinculados, pois os fatos geradores então eleitos pela Constituição vigente não tinham nenhuma relação com qualquer atividade do Estado, mas sim dos contribuintes (auferir renda, ser proprietário de imóvel, importar bens etc.).

A taxas seriam tributos vinculados a uma atividade estatal, isto é, seriam devidas como contraprestação de uma atuação do Estado (exercício do poder de polícia ou serviço público).

Para esta doutrina, as contribuições de melhoria teriam ou caráter de tributo vinculado ou de não vinculado a depender da lei que instituísse tal tributo e da base de cálculo eleita por ela.

Esta metodologia encontrou críticas, até pela incerteza quanto à classificação da contribuição de melhoria, fazendo surgir uma outra corrente, chamada de tricotômica, que passou a dividir os tributos vinculados em duas subdivisões, a dos diretamente vinculados e dos indiretamente vinculados, colocando as contribuições de melhoria nesta última classe.

Mas em 1988 foi promulgada a nossa Constituição hoje vigente, trazendo referências a novos tributos: contribuições e empréstimo compulsório, completando as cinco espécies que vimos no tópico anterior.

Com a nova ordem constitucional veio também a dificuldade de se classificar e identificar os tributos pelas teorias tradicionais.

Mesmo com esta dificuldade, ainda há respeitáveis nomes da doutrina que buscam enquadrar os tributos em vinculados e não vinculados, tentando preservar a previsão do CTN, acerca das espécies de tributos.

A meu ver, porém, a previsão do CTN acabou sendo revogada tacitamente (isto é, acaba revogada por não ser compatível com uma lei posterior – no caso a própria Constituição), de maneira que não podemos entender que hoje existam apenas impostos, taxas e contribuições de melhoria.

Além disso, é importante notar que ainda que se continue adotando a classificação de tributos em vinculados e não-vinculados, entendendo-se que os tributos ora seriam impostos, ora seriam taxas, não haveria resultado prático útil nesta classificação.

Ou seja, ao se colocar mais de um tributo em uma mesma classe, não se tem o resultado prático que se espera de uma classificação, que é a de efetivamente identificar a natureza do tributo e, a partir disso, identificar qual o regime jurídico é aplicável a ele (isto é, quais normas se aplicam a determinado tributo).

Por isso surgiram outras teorias que buscam detalhar a classificação dos tributos, para que seja possível identificar o que são impostos, taxas, contribuições, contribuições de melhoria e empréstimos compulsórios.

Paulo Ayres Barreto e Tárek Moussallem escreveram importantes obras sobre a classificação dos tributos, e de forma sólida propuseram três níveis de classificação dos tributos:

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Assim, seguindo a linha destas novas classificações, Paulo Ayres Barreto (Contribuições: Regime Jurídico, Destinação e Controle. São Paulo: Noeses, 2006) conclui com o seguinte quadro classificatório:

1) se o tributo for vinculado, destinado e restituível, teremos um empréstimo compulsório, cuja materialidade pode ser de uma taxa ou de uma contribuição de melhoria;

2) se o tributo for vinculado, destinado e não restituível, estaremos diante de uma taxa ou de uma contribuição de melhoria, a depender do critério material eleito;

3) em face das premissas adotadas, não haveria a possibilidade lógica de um tributo ser vinculado, não destinado e restituível; o tributo vinculado tem o produto de sua arrecadação destinado a uma finalidade constitucionalmente determinada;

4) o mesmo raciocínio desenvolvido para o item anterior aplica-se à hipótese de tributo vinculado, não destinado e não restituível;

5) se o tributo for não vinculado, destinado e restituível estaremos diante de empréstimos compulsório;

6) se o tributo for não vinculado, destinado e não restituível, teremos, necessariamente, uma contribuição que não a de melhoria;

7) não há previsão, em nosso sistema tributária, de tributo não vinculado, não destinado e restituível;

8) se o tributo for não vinculado, não destinado e não restituível, estaremos diante de um imposto”.

As conclusões lógicas dessa classificação dependem das premissas adotadas, mas como se pode notar, alguns dos itens listados podem conter ou uma taxa ou uma contribuição de melhoria, a depender da materialidade (isto é, do fato gerador) de cada um dos tributos analisados.

Tárek Moussalem (Classificação dos Tributos (uma visão analítica) in IV Congresso Nacional de Estudos Tributários – Tributação e Processo. São Paulo: Noeses, 2007), por sua vez, chega a conclusões muito similares, mas diferentes em pontos importantes.

Segundo a sua proposta de classificação, por exemplo, “não existe diferença entre um imposto e contribuição de melhoria, em face dos critérios acima eleitos para a divisão lógica. Para tanto, basta-se analisar as hipóteses de incidência de ambos tributos”.

Este autor, entende que a materialidade da contribuição de melhoria estaria na mais valia do imóvel em decorrência de obra pública, sendo não vinculado e similar a impostos.

É importante notar que, neste ponto, a diferença entre as duas classificações em questão, estaria na análise da materialidade da contribuição de melhoria, i.e., se a sua materialidade é ou não vinculada a uma atividade estatal.

Para Paulo Ayres, este tributo é vinculado a uma atividade estatal (obra pública), mas o que o coloca na mesma subespécie das taxas. Para Tárek, o que prepondera na materialidade deste tributo é a valorização imobiliária, o que o torna não-vinculado, mas o remete à subespécie dos impostos. O mesmo problema se apresenta nas duas classificações.

Além disso, Tárek também conclui que os empréstimos compulsórios podem assumir a feição de qualquer tributo, haja vista a pouca disciplina sobre as regras de sua criação pela União na Constituição Federal. Mas sabemos que, embora não haja definição expressa na Constituição acerca da materialidade dos empréstimos compulsórios, há outras normas de competência inerentes a tal tributo, como, por exemplo, a criação por lei complementar e a existência de situação de calamidade ou guerra para sua instituição.

Como já é possível perceber, a classificação dos tributos não é algo simples e encontra divergências em diversos pontos a depender das premissas adotadas.

Estes dois estudos, porém, foram relevantíssimos para sugerir novas formas de se enxergar e classificar os tributos. Muitos outros nomes também de prestígio propuseram formas de classificação dos tributos.

Nossa conclusão

Não há forma certa ou errada de se classificar os tributos, já que nossa legislação e mesmo nossa Constituição, não segue um critério científico ao tratar de cada tributo.

Assim, hoje existem diferentes correntes para se tentar classificar os tributos, cada uma partindo de diferentes premissas.

Esta tarefa é importante, como mencionei acima, pois é a partir dela que conseguimos identificar a real natureza de um tributo, para saber se ele está atendendo às normas necessárias para que seja cobrado de forma legítima.

Classificar os tributos é um instrumento de defesa dos próprios contribuintes contra pretensões dos Entes tributantes, que muitas vezes contarão com a falta de informação geral da população para tentar aumentar sua arrecadação.

Os Tribunais irão, com o tempo, validar uma ou outra forma de classificação, o que vai dando maiores subsídios na tarefa de classificação.

Mas nosso sistema é complexo e confuso, o que dificulta sempre este trabalho.

Sem a pretensão de resolver totalmente essa questão (que já dura décadas), eu particularmente enxergo a possibilidade de classificar os tributos a partir de alguns outros critérios que observem a particularidade de cada tributo.

Para isso eu identifiquei dois novos critérios que (assim entendo) solucionariam esta questão: o da retributividade e o do objetivo da tributação. Também proponho eliminar o critério da vinculação ou não vinculação a uma atividade estatal.

Desta forma, propus uma classificação baseada nos seguintes critérios:

(i) da retributividade do tributo: diz respeito à forma como o tributo é utilizado em prol da sociedade. Isto é, se ele é utilizado para uma atividade imediata do Estado, ou se ele é utilizado como forma ampla de financiamento das atividades estatais, isto é, são retribuídos à sociedade de forma mediata (financiamento de despesas gerais de administração, por exemplo);

(ii) da destinação do produto da arrecadação: se ele é previamente destinado a um fundo ou despesa específico, ou se é utilizado como forma geral de obtenção de receitas (como os impostos, por exemplo);

(iii) no objetivo da tributação: se destinado à recuperação de um custo ou se destinado ao financiamento de atuação futura; e

(iv) se restituível ou não.

Por estes critérios, portanto, os tributos poderiam ser classificados entre aqueles que são instituídos como uma forma imediata de retribuir determinado serviço ou atividade para a sociedade, como as taxas ou os empréstimos compulsórios, que devem ser criados em razão de uma necessidade urgente específica, e os tributos que são cobrados como forma mediata de retribuição, como os impostos e as contribuições, que irão financiar diversas atividades que são percebidas de forma mais gradual pela sociedade (educação, seguridade social, segurança, infraestrutura etc.).

A partir daí, é possível ainda classificar os tributos a partir da destinação de sua arrecadação. Como vimos acima, os impostos, por exemplo, não podem ser destinados, enquanto as contribuições devem ser destinadas.

O terceiro nível seria da divisão dos tributos entre tributo para financiamento de uma atividade, ou tributo para a recuperação de um determinado custo. Nas taxas, por exemplo, o serviço público ou o poder de polícia é prestado ou exercido e depois é remunerado pela taxa, para ressarcir os custos com esta atividade. O mesmo nas contribuições de melhoria. Já os impostos e as contribuições visam financiar o Estado com fundos para prática de atividades futuras.

Por fim, o último nível diz respeito ao fato de o tributo ser restituível ou não, sendo que o único tributo existente que é restituível é o empréstimo compulsório.

Fazendo testes lógicos, a classificação que sugeri resultaria nas seguintes conclusões:

  1. Se o legislador institui determinado tributo, em razão de uma determinada providência urgente ou calamidade, justificando tal calamidade como motivo de sua instituição e, ainda, prevendo a sua restituição, estaremos diante de um empréstimo compulsório.
  1. Se um tributo for instituído com base em determinada despesa determinada, em razão de um serviço ou poder estatal imediatamente perceptível pelo contribuinte, quase que como uma remuneração ou contraprestação, sem qualquer previsão de restituição, mas tomando como base de cálculo e alíquota o custo incorrido em tal atuação, estaremos diante de taxa.
  1. Se o tributo criado tiver sua receita destinada a um fim social, a um interesse de categoria ou a uma intervenção estatal, visando gerar fundos para a atuação em tais áreas, sem expressa definição sobre tal atuação e sem previsão de sua restituição, teremos uma contribuição, qualquer que seja o seu nome.
  1. Caso o tributo vise recuperar o custo de uma atuação estatal já ocorrida, respeitando-se o limite de tal custo, mas sem previsão específica do seu uso em uma determinada atividade estatal posterior, sem que haja previsão de sua restituição, teremos uma contribuição de melhoria.
  1. Por fim, se o tributo não possuir destinação expressa, nem previsão de uma atuação estatal a ela vinculada de forma específica, sem previsão de restituição, mas visando angariar fundos aos cofres públicos de forma geral, teremos, sem dúvida, imposto.

Esta foi a minha sugestão de critérios para classificação dos tributos, sem nenhuma pretensão de ser o critério definitivo. O tema ainda merece muito estudo.

Eu sei que pode parecer confuso e complexo. E é mesmo.

Mas estas considerações aqui buscam dar um pouco mais de informação para sempre que o contribuinte precisar saber o que está pagando e se está pagando de acordo com o que a Constituição Federal autoriza.

Conhecimento é o primeiro passo para o empoderamento dos contribuintes.

Até mais!

*Este conteúdo não reflete, necessariamente, a opinião do KLA Advogados

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Felipe Omori

Felipe Omori é advogado em São Paulo, especialista pelo IBET (Instituto Brasileiro de Estudos Tributários) e mestre pela USP em Direito Tributário. É sócio da área de Contencioso Judicial Tributário do KLA e professor no curso de especialização em Direito Tributário no IBDT e no IBET (Instituto Brasileiro de Estudos Tributários). Também é autor do livro “Tributação e A Forma do Negócio Jurídico: Uma Proposta para Os Limites da Tributação“ (Ed. Dialética).