NO PROCESSO PENAL, O JUIZ SÓ PODE INQUIRIR TESTEMUNHAS DE FORMA SUPLETIVA E DEPOIS DAS PARTES, DECIDE STF

Ao julgar o HC nº 187.035, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (“STF”) anulou audiência realizada em ação penal e todos os atos decorrentes em que a juíza que conduzia o processo inquiriu primeira e diretamente duas testemunhas e, ainda, formulou mais de 180 perguntas, muitas delas sugestivas e de interesse da acusação, restando ao membro do Ministério Público a formulação de uma única pergunta.

Apesar de ainda não terem sido publicados os votos dos Ministros, a 1ª Turma do STF, por maioria, entendeu que a conduta da juíza violou os regramentos do artigo 212 e seu parágrafo único, do Código de Processo Penal. Segundo a previsão legal, durante a audiência de instrução, as perguntas serão formuladas primeira e diretamente às testemunhas pelas partes, defesa e Ministério Público. Ao juiz, cabe questionar as testemunhas ao final e apenas quanto aos pontos não esclarecidos pelos questionamentos anteriores feitos das partes.

A decisão da Suprema Corte é salutar, pois delimita o espaço de atuação do juiz e os deveres de imparcialidade, não se admitindo que o magistrado assuma um papel de acusador em substituição do Ministério Público, em consagração ao modelo acusatório previsto pela Constituição Federal.

SEGUNDO O STJ, EM CASOS ENVOLVENDO REGISTRO DE MARCA E CONCORRÊNCIA DESLEAL, NÃO É CABÍVEL QUEIXA-CRIME OFERECIDA APÓS O PRAZO DECADENCIAL DE 06 MESES EM RAZÃO DE POSTERIOR HOMOLOGAÇÃO DE LAUDO PERICIAL

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) decidiu, no julgamento de um Recurso Especial (REsp nº 1.762.142/MG) sobre crimes contra o registro de marca e concorrência desleal, que o prazo especial de 30 dias para o oferecimento queixa-crime (ação penal privativa do ofendido), contados da data da homologação de laudo decorrente de busca e apreensão para fundamentar a propositura, não afasta o prazo decadencial geral de 06 meses contados a partir do conhecimento da autoria do delito.

Segundo o Ministro-Relator Sebastião Reis Junior, que foi acompanhado pelos demais Ministros, o prazo específico de 30 dias previsto no artigo 529 do Código de Processo Penal deve ser compatibilizado com o prazo geral de 06 meses previsto no artigo 38, também do Código de Processo Penal. Dessa forma, o prazo geral para a propositura de queixa-crime é de 06 meses, podendo ser diminuído para 30 dias no caso em que houver homologação de laudo pericial imprescindível para fundamentar a ação penal privada.

Caso contrário, a queixa-crime poderia ser apresentada mesmo depois de anos do conhecimento da autoria delitiva, sendo necessária somente a requisição de produção de laudo pericial para a reabertura do prazo decadencial de 30 dias, com sua homologação. De acordo com o Ministro-Relator, tal entendimento causaria insegurança jurídica e vulnera a própria natureza jurídica da decadência, cujo objetivo é conferir limites a inércia do ofendido.

Por fim, é de se destacar a importância do julgado ao buscar compatibilizar disposições processuais diversas sobre prazos para a propositura de queixa-crime, sobretudo quando envolviam crimes de registro de marca e concorrência desleal. Tais disposições, que vinham sendo alvo de diferentes interpretações pela doutrina e jurisprudência quando da resolução de casos concretos, agora possuem um norte interpretativo para resguardar a segurança jurídica.      

SANCIONADA LEI QUE TIPIFICA O CRIME DE PERSEGUIÇÃO (“STALKING”)

Foi sancionada pelo Presidente da República a Lei nº 14.132/2021, que incluiu no Código Penal Brasileiro o artigo 147-A para tipificar o crime de perseguição ou, como amplamente conhecido, stalking. Referida lei também revogou o artigo 65, da Lei de Contravenções Penais, que tipificava a conduta de “perturbação da tranquilidade”.

De acordo com a nova previsão legal: quem “perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade”, estará sujeito a uma pena privativa de liberdade de 06 meses a 02 anos, e multa. Ademais, a pena privativa de liberdade é aumentada em 50% se o crime for cometido i) contra criança, adolescente ou idoso; ii) contra mulher por razões da condição de sexo feminino, por  violência doméstica e familiar e/ou em menosprezo ou discriminação à condição de mulher; e iii) mediante o concurso de duas ou mais pessoas ou com o emprego de arma.

É importante salientar que o novo crime tem como objetivo dar uma resposta à crescente onda verificada nos últimos anos de perseguições motivadas pelas mais variadas naturezas – políticas, econômicas, sociais, de gênero etc. – e que atingem desde as redes sociais até o âmbito do trabalho, da moradia e da família das vítimas.

Apesar da pretensão legislativa, é importante destacar que a criminalização da conduta pode não ser eficaz ao fim de prevenir o delito. Isso porque, se é a quantidade de pena ou a possibilidade de encarceramento que poderiam desestimular o cometimento do stalking, a pena prevista admite transação penal ou suspensão condicional do processo e, fora das hipóteses da causa de aumento, admite, ainda, a celebração de acordo de não persecução penal, desde que a ameaça não seja acompanhada de violência ou grave ameaça.

Por fim, o crime de perseguição ou stalking se processa mediante representação (autorização) da vítima, que deverá ser fornecida no prazo de 06 meses contados da data em que se tomar conhecimento do autor do delito, sob pena de decadência do direito e de não se ver o agressor processado criminalmente.

STJ APROVA A SÚMULA Nº 648

A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), que reúne a Quinta e Sexta Turmas especializadas em Direito Penal da Corte, aprovou a Súmula nº 648, segundo a qual: “[a] superveniência da sentença condenatória prejudica o pedido de trancamento da ação penal por falta de justa causa feito em habeas corpus”.

De acordo com referido enunciado, a impetração de habeas corpus que requer o trancamento de ação penal em razão da ausência de indícios de autoria e/ou materialidade do crime perde o objeto se, antes de ser conhecido e/ou provido, for proferida sentença condenatória em 1ª instância. O entendimento dos Ministros leva em consideração que a superveniência de condenação em ação penal reflete a existência de mínima justa causa para a sua propositura.

Apesar de a súmula ter sido aprovada para consolidar entendimento reiterado do tribunal, considera-se que não é o mais acertado. É plenamente possível que, ainda que exista condenação em primeira ou única instância, a ação penal esteja baseada em provas ilícitas, questionáveis ou até inexistentes de autoria e materialidade.

Logo, a análise do pedido liminar ou do mérito de habeas corpus que questione referidos aspectos da ação penal não deveria ser julgado prejudicado, ainda que se argumente pela existência de recursos apropriados para o questionamento da sentença, tal como a apelação criminal.

Por fim, é importante destacar que o atual posicionamento do STJ entra em conflito com recente entendimento da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (“STF”) (AgR no RHC nº 143.058 – julgado em outubro de 2019), segundo o qual “a superveniência da sentença penal condenatória, na espécie, não prejudica este recurso em habeas corpus, tendo em vista que o juízo sentenciante, na essência, preserva o núcleo da decisão combatida, que indeferiu o desentranhamento das provas reconhecidamente ilícitas”. Assim, a questão ainda padece de latente insegurança jurídica que, muito provavelmente, fará com que os tribunais superiores discutam a aplicação da súmula 648 do STJ.

PROJETO DE LEI PREVÊ AUMENTO DE PENA PARA ESQUEMAS DE PIRÂMIDE FINANCEIRA

Foi apresentado na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 744/2020 (“PL 744”), que visa a alterar a sistemática de responsabilização penal por esquemas de pirâmide financeira no ordenamento jurídico brasileiro. Atualmente, o crime de pirâmide financeira está previsto no artigo 2º, inciso IX, da Lei nº 1.521/1951, que prevê pena de detenção de 06 meses a 02 anos, e multa a quem “obter ou tentar obter ganhos ilícitos em detrimento do povo ou de número indeterminado de pessoas mediante especulações ou processos fraudulentos (‘bola de neve’, ‘pichardismo’ e quaisquer outros equivalentes)”.

No entanto, segundo a exposição de motivos da PL 744, a previsão legislativa vigente carece de efetividade na repressão e prevenção desse tipo de prática delituosa quando comparada aos graves riscos sociais e econômicos a ela inerentes. Ademais, foi alegado que o atual tipo penal é anterior ao surgimento e expansão da rede mundial de computadores, tornando branda referida previsão legal diante da potencialidade lesiva da conduta praticada por meio do uso da internet.

Dessa forma, o PL 744 propõe, além da revogação da figura típica vigente, duas mudanças na legislação. A primeira é a inclusão do inciso VIII ao artigo 4º, da Lei nº 8.137/90, prevendo pena de reclusão de 02 a 05 anos, e multa a quem “obter ou tentar obter ganho mediante plano ou operação de venda em detrimento de número indeterminado ou indeterminável de pessoas mediante especulações ou processos fraudulentos e indicação ou afirmação enganosa sobre a existência, a natureza, a qualidade, o retorno ou o risco de produto ou serviço”.

A segunda proposta é a inclusão do artigo 24-A na Lei nº 7.492/89, o qual prevê pena de reclusão de 04 a 08 anos, e multa a quem “estabelecer, operar, promover ou fazer com que seja promovido plano ou operação de venda, com repercussão interestadual ou mediante o uso da rede mundial de computadores, objetivando a obtenção de ganho em detrimento de número indeterminado ou determinável de pessoas mediante especulações ou processos fraudulentos e indicação ou afirmação enganosa sobre a existência, a natureza, a qualidade, o retorno ou o risco do produto ou serviço”.

Apesar da semelhança entre as duas figuras típicas, nota-se, inclusive pela exposição de motivos do projeto, o objetivo de punir aqueles que participam de esquemas de pirâmide que possuem repercussão interestadual ou que sejam desenvolvidos com o uso da internet.

Por fim, caso o projeto venha a se tornar lei com a aprovação das duas figuras típicas, ambas serão compatíveis com os institutos de justiça criminal negocial, uma vez que admitirão a propositura de acordo de não persecução penal, em que uma das condições é a reparação do dano causado às vítimas.

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