É INEPTA A DENÚNCIA OFERECIDA CONTRA EMPRESA POR CRIME AMBIENTAL QUE NÃO DESCREVE A INFRAÇÃO COMETIDA POR DECISÃO DE SEUS REPRESENTANTES NO INTERESSE DA EMPRESA, DECIDE TRF-3

A Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (“TRF-3”), que julga processos criminais de competência federal em segunda instância dos Estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul, decidiu que é inepta – quando ausentes todos os requisitos legais – a denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal (“MPF”), em face de pessoas jurídicas, por crimes ambientais, quando não são descritos os atos praticados por seus representantes legais, contratuais ou órgãos colegiados, no interesse da empresa.

No caso concreto, uma empresa foi denunciada pelos crimes previstos nos artigos 33 – “provocar, pela emissão de efluentes ou carreamento de materiais, o perecimento de espécimes da fauna aquática” – e 54 – “causar poluição de qualquer natureza” –, da Lei nº 9.605/98 – amplamente conhecida como “Lei de Crimes Ambientais”. Após a apresentação de resposta acusação, o juiz de primeira instância manteve o recebimento da denúncia e determinou o início da fase de audiências para a produção de provas.

Irresignada, a defesa da empresa impetrou Mandado de Segurança perante o TRF-3, ocasião em que, dentre outros argumentos, alegou que a denúncia apresentada pelo MPF deixou de indicar a conduta ou decisão adotada pela pessoa física que “a representasse legal ou contratualmente”, ou proveniente do órgão colegiado formado por seus administradores ou diretores, em benefício da empresa, o que seria um dos requisitos imprescindíveis para a responsabilização criminal de pessoas jurídicas pelos crimes previstos na Lei de Crimes Ambientais.

Por unanimidade, a Quinta Turma do TRF-3 concedeu a ordem para trancar a ação penal, sem prejuízo de que uma nova denúncia seja oferecida, desde que preenchidas as exigências legais. Em seu voto, o Relator do caso, o Desembargador Federal Maurício Kato, sustentou que o artigo 3º da Lei de Crimes Ambientais, ao prever a responsabilidade penal da pessoa jurídica, exige a “hipótese de coautoria necessária, ou seja, não dissocia a responsabilidade da pessoa jurídica da decisão de seu representante legal, contratual ou colegiado, no interesse da sociedade”.

Dessa forma, “a responsabilização criminal da pessoa jurídica só será possível mediante o preenchimento de requisitos estabelecidos no artigo 3º da Lei 9.605/98, ou seja, com descrição pormenorizada dos atos praticados pelos representantes legais ou órgãos colegiados, sob pena de faltar pressuposto para que o processo-crime desenvolva-se corretamente”.

A decisão é relevante, pois reafirma a necessidade de cumprimento com os requisitos legalmente impostos para se responsabilizar criminalmente uma empresa. Importante considerar que há decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal (“STF”) (Recurso Extraordinário nº 548.181/PR) na qual se afastou a associação da responsabilidade penal da empresa com a de seus representantes legais ou contratuais, de modo que se admitiu a possibilidade de a pessoa jurídica figurar de maneira isolada no polo passivo de ações penais.

NÃO CONFIGURA CRIME TRIBUTÁRIO O NÃO PAGAMENTO DE TRIBUTO ESTADUAL EM VALOR NÃO EXECUTÁVEL PELO ESTADO, DECIDE TJSP

A 12ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (“TJSP”) decidiu que não configura crime contra a ordem tributária o não pagamento de tributos estaduais até o valor de 1200 Unidades Fiscais do Estado de São Paulo (“UFESPs”), o equivalente a R$ 38.364, no ano de 2022.

No caso concreto, o sócio-administrador de uma empresa foi denunciado pelo crime de sonegação fiscal, previsto no artigo 1º da Lei nº 8.137/90 – amplamente conhecida como “Lei de Crimes Contra a Ordem Tributária” – por supostamente ter deixado de recolher aos cofres públicos valores de ICMS no montante total de R$ 10.750,74.

Após a manutenção do recebimento da denúncia por parte do juiz de primeira instância, a defesa do empresário impetrou Habeas Corpus perante o TJSP e alegou que inexistia justa causa para a propositura de uma Ação Penal em face do acusado, uma vez que se estaria diante uma conduta insignificante para a esfera criminal.
A 12ª Câmara de Direito Criminal do TJSP, por unanimidade, deu razão à defesa e determinou o arquivamento da Ação Penal. Em seu voto, o Relator do caso, o Desembargador Vico Mañas, sustentou que a Lei Estadual de São Paulo nº 14.272/2010, atualizada pela Lei Estadual de São Paulo nº 16.498/2017, estabelece que a Procuradoria Geral do Estado fica autorizada a não propor execuções fiscais para a cobrança de débitos de natureza tributária, cujos valores atualizados não ultrapassem 1200 UFESPs, ou o equivalente a R$ 38.364, no ano de 2022.

Dessa forma, não poderia ser relevante para a esfera criminal um fato irrelevante para a esfera administrativa, que é menos gravosa que a primeira. Portanto, considerando que o montante principal atualizado do tributo devido pelo acusado não ultrapassava o limite imposto pela Lei Estadual nº 14.272/2010, não haveria fundamentos para a persecução criminal, em razão da insignificância penal da conduta.

A decisão do TJSP é de extrema importância, uma vez que caminha com farta jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) para afastar qualquer possibilidade de responsabilização criminal pelo não pagamento de valores de tributos nos quais sequer o próprio Estado possui interesse.

INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA NÃO PODE SER DECRETADA COM OS MESMOS FUNDAMENTOS UTILIZADOS PARA A DECRETAÇÃO DE QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO, DECIDE STJ

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) decidiu que a medida cautelar de interceptação telefônica não pode ser decretada a partir dos mesmos fundamentos anteriormente utilizados para a decretação de quebra de sigilo bancário. No caso concreto, uma pessoa acusada da prática de crimes licitatórios, corrupção ativa, corrupção passiva e integração em organização criminosa teve a interceptação de sua comunicação decretada pelo Desembargador-Relator do caso, que compõe o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (“TJRS”).

No entanto, o Relator, mais de uma vez, decretou e renovou a interceptação telefônica realizando breve menção aos fundamentos utilizados pelo Ministério Público em um pedido anterior de quebra de sigilo bancário do acusado (fundamentação per relationem), apesar do próprio Ministério Público ter elaborado um pedido específico e com todos os fundamentos necessários para a interceptação telefônica.

Diante da situação, a defesa do acusado impetrou Habeas Corpus perante o STJ, ocasião em que foi requerido reconhecimento da nulidade das decisões que decretaram a interceptação telefônica, uma vez ausente a fundamentação adequada.

Em seu voto, o Relator do Habeas Corpus, Ministro Sebastião Reis Júnior, que foi acompanhado dos demais ministros, deu razão à defesa e sustentou que, apesar da jurisprudência do STJ admitir o uso da motivação per relationem, os fundamentos utilizados pelo Desembargador-Relator para determinar a interceptação telefônica não cumpriam com os requisitos legais da Lei nº 9.296/96 – Lei de Interceptação Telefônica.

Portanto, não poderia ser decretada e renovada qualquer interceptação com base em fundamentos utilizados para se decretar uma quebra de sigilo bancário, que exige menos requisitos para a sua decretação.

Por fim, a decisão é relevante, uma vez que reafirma a necessidade de se cumprir com os requisitos legais para a decretação de medidas cautelares que representam uma especial intervenção em direitos fundamentais dos acusados, como é o caso da interceptação telefônica.

A decisão também se sobressai por afirmar que, por mais que se admita fundamentações per relationem para a decretação de medidas cautelares, referidas fundamentações não podem ser aceitas com indistinção, como se fossem um verdadeiro cheque em branco para o Ministério Público atuar na fase de investigação sem o devido controle judicial.

MANIFESTAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO PELA ABSOLVIÇÃO DO ACUSADO NÃO IMPEDE O JUIZ DE CONDENÁ-LO, DECIDE STJ

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), no julgamento de um Habeas Corpus, decidiu que a manifestação do Ministério Público pela absolvição do acusado, em fase de alegações finais ou contrarrazões recursais, não vincula a decisão do julgador de forma que o impeça de condenar. A decisão teve por fundamento o princípio do livre convencimento motivado, que autoriza o magistrado a embasar suas decisões livremente por meio das provas dos autos, de acordo com seu convencimento.

No caso concreto, uma pessoa foi condenada, em 1ª instância, pelo crime de roubo. Ocorre que, antes da condenação, a absolvição do acusado foi requerida pelo Ministério Público em sede de alegações finais. Inconformada, a defesa interpôs recurso de Apelação no Tribunal de Justiça do Paraná (“TJPR”), que foi improvido. Do mesmo modo, o TJSC rejeitou outros recursos opostos pela defesa, como os embargos infringentes e embargos declaratórios.

Diante disso, a defesa do acusado impetrou Habeas Corpus perante o STJ, no qual requereu o reconhecimento da nulidade da sentença que condenou e do acórdão que manteve a condenação do acusado. Segundo a defesa, a manutenção da condenação viola o sistema acusatório, pautado pela clara separação entre as funções de acusar e julgar, e pela limitação do poder decisório do juiz, que deve levar em consideração os elementos trazidos ao processo pelas partes. Ainda, a defesa sustentou que houve violação ao contraditório e à regra da correlação entre acusação e sentença, de modo que os magistrados não poderiam decidir para além do que foi requerido pela acusação.

A despeito disso, a Sexta Turma denegou a ordem por maioria de votos. Em seu voto, a Relatora do caso, Ministra Laurita Vaz, sustentou que a manifestação do Ministério Público não vincula a decisão do juiz, em razão do princípio do livre convencimento motivado.

Ainda, a Ministra destacou que, diferentemente do modelo norte-americano, em que se permite que o promotor abandone a acusação, atrelando o julgador à absolvição do réu, no sistema jurídico brasileiro tal iniciativa é vedada ao Ministério Público, em razão do dever jurídico de promover a ação penal e de conduzi-la até o seu desfecho, ainda que haja divergência posterior no posicionamento do representante ministerial.

Por fim, é importante salientar que o mérito da decisão, ainda que controverso, está amparada em jurisprudência pacífica do próprio STJ e do Supremo Tribunal Federal (“STF”). Contudo, isso não significa que tal posição seja a mais acertada. Mais correta é a posição da jurisprudência minoritária e da doutrina que sustentam que, uma vez apresentado o pedido de absolvição pela acusação, cessa qualquer pretensão acusatória, não podendo o juiz assim condenar.

Desta forma, ao decidir pela condenação, o julgador o faz sem a necessária provocação do órgão acusatório, violando expressamente o modelo acusatório, estrutura extraída da Constituição Federal e prevista no Código de Processo Penal.

O EXAURIMENTO DO CRIME DE FORMAÇÃO DE CARTEL DEPENDE DO CASO CONCRETO, DECIDE STJ

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) decidiu que o exaurimento (ou esgotamento) do crime de formação de cartel, previsto no artigo 4º, II, da Lei nº 8.137/90 – amplamente conhecida como “Lei de Crimes contra a Ordem Tributária, Econômica e Relações de Consumo” – depende do caso concreto. No caso em questão, algumas pessoas foram denunciadas pelo Ministério Público de São Paulo (“MPSP”) por realizarem, em 2004, acordos econômicos anticompetitivos para a fixação de preços, divisão de mercados e troca de informações comercialmente sensíveis com concorrentes – que, segundo o MPSP, sucederam-se até 2014.

Ato contínuo, a denúncia foi rejeitada pelo juiz de 1ª instância, que alegou que o crime de formação de cartel é um crime que se consuma e se exaure (se esgota) no momento da celebração dos acordos econômicos (crime instantâneo), não sendo relevantes para a lei a colocação em prática dos atos anticompetitivos acordados, sendo este último ato um pós-fato impunível. Diante da situação, o magistrado percebeu que já havia decorrido o prazo prescricional entre a data dos fatos (2004) e o oferecimento da denúncia (2017), ou seja, 12 anos, e decretou extinta a punibilidade.

Inconformado, o MPSP interpôs Recurso em Sentido Estrito perante o Tribunal de Justiça de São Paulo (“TJSP”), que reformou a decisão do juiz de 1ª instância e determinou o recebimento da denúncia do MPSP. Em sua manifestação, o TJSP sustentou que, como nessa situação os acordos econômicos anticompetitivos se prolongaram até 2014, o crime de cartel seria “eventualmente permanente”. Dessa forma, o prazo de prescrição deveria ser contado a partir de 2014 e não 2004. Portanto, uma vez não decorrido o prazo de 12 anos, não seria possível afirmar a prescrição dos fatos com a consequente extinção da punibilidade dos acusados.

Irresignada, a defesa dos acusados interpôs Recurso Especial no STJ, que somente foi admitido após agravo, e sustentou que não seria possível conceber o crime de cartel como “eventualmente” permanente, pois se trata de um crime formal, isto é, cuja consumação independe de um resultado naturalístico, e instantâneo, que não se estende no tempo. Assim, não se poderia defender que eventual sucessão de acordos anticompetitivos configurassem a continuidade de afetação do bem jurídico tutelado, supostamente iniciada em 2004.

A Quinta Turma do STJ discordou das alegações da defesa e alegou que o exaurimento do crime de cartel deve ser verificado no caso concreto. Dessa forma, defendeu o Ministro-Relator, Joel Ilan Paciornik, que “enquanto o agente prossegue no proveito de vantagens indevidas ao longo dos anos, produzindo novas lesões ao bem jurídico, permite-se concluir pela permanência da conduta”. Ao fim, o Ministro, que foi seguido pelos demais membros da Quinta Turma, entendeu que a situação em análise se tratava de um crime permanente, portanto determinou que fosse dada continuidade à Ação Penal em face dos acusados.

Por fim, a decisão da Quinta Turma é ao mesmo tempo de grande relevância e tecnicamente incorreta. Relevante, uma vez que, a partir do entendimento fixado e do caso concreto, será possível a decretação de prisão em flagrante pelo crime de formação de cartel a qualquer tempo, posto que permanente.

Por outro lado, a decisão é tecnicamente incorreta, porque confunde diferentes classificações existentes em relação ao crime, como o momento consumativo (instantâneo, permanente ou instantâneo com efeitos de permanente) e a forma de consumação (formal, que não exige resultado naturalístico, ou material, que exige o resultado naturalístico), e o seu exaurimento, isto é, quando a consumação do crime se esgota e suas consequências práticas são efeitos decorrentes do crime que não podem ou não ser objeto de sanção penal.

Dessa forma, a lei visa a proteger a livre concorrência, mas pune somente a celebração de acordos anticompetitivos. Portanto, o crime de cartel é um crime formal (não exige o resultado naturalístico) e instantâneo, de modo que, se os agentes colocam em prática atos anticompetitivos, tais atos se classificam apenas exaurimento (esgotamento) do crime. No caso concreto, o MPSP deveria identificar os sucessivos acordos e tratá-los como crimes independentes, se assim fosse o caso, de modo a buscar a punição respeitando os regramentos de concurso de crimes previsto no Código Penal.

O CRIME DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA TRIBUTÁRIA EXIGE DOLO ESPECÍFICO DE APROPRIAÇÃO, DECIDE STJ

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) decidiu que, para a configuração do crime de apropriação indébita tributária, previsto no artigo 2º, inciso II, da Lei nº 8.137/1990 – Lei de Crimes contra a Ordem Tributária, Econômica e Relações de Consumo -, é necessário que se verifique o dolo específico do agente em se apropriar do montante cobrado do contribuinte, mas não repassado ao fisco.

No caso concreto, dois empresários foram condenados em 1ª instância por terem deixado de repassar ao fisco valores de ICMS cobrados de seus clientes. A condenação foi mantida em 2ª instância, em sede de Apelação, pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina (“TJSC”). Irresignada, a defesa impetrou Habeas Corpus perante o STJ, no qual foi alegado que não se demonstrou ao longo do processo o dolo específico de se apropriar dos montantes cobrados dos clientes e não repassados ao fisco.

Apesar de o Habeas Corpus ter sido denegado monocraticamente, a Sexta Turma do STJ proveu Agravo Regimental interposto pela defesa para absolver os acusados. Em seu voto, o Relator Olindo Menezes, que foi seguido dos demais Ministros, deu razão à defesa e salientou que, apesar de o TJSC ter condenado os acusados sob o argumento do dolo genérico – isto é, de simplesmente terem cobrado valor de ICMS e não o repassado ao fisco –, seria necessário que se comprovasse que os acusados de fato queriam inverter a propriedade dos valores cobrados, o que não se verificou.

Por fim, a decisão da Sexta Turma é de grande relevância, uma vez que consolidou uma mudança de entendimento do próprio tribunal – aliando-se agora à Quinta Turma do STJ (AgRg no REsp nº 1.943.290/SC) -, que se conformava antes com a presença de dolo genérico em crimes desse tipo. Aliás, é importante destacar que a nova postura adotada pelo STJ representa também um alinhamento com o recente entendimento do Supremo Tribunal Federal (“STF”), que passou a exigir o dolo de apropriação (dolo específico) para a configuração do crime de apropriação indébita tributária (RHC nº 163.334/SC).

RÉU NÃO PODE SER FORÇADO A RESPONDER PERGUNTAS DO JUIZ E DO MINISTÉRIO PÚBLICO DURANTE O SEU INTERROGATÓRIO, DECIDE TJSP

A 12ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (“TJSP”), no julgamento de um Habeas Corpus, reconheceu a possibilidade de o réu, no momento de seu interrogatório, responder somente às perguntas que desejar, inclusive apenas às formuladas por seu advogado, em observância à garantia da ampla defesa.

No caso concreto, o réu, que estava sendo processado por crimes de estelionato, manifestou o desejo de responder apenas às perguntas de seu defensor no momento de seu interrogatório. A juíza de 1ª instância, contudo, negou o pedido sob o fundamento de que “não é dado ao réu escolher a quem ele responde”, uma vez que, no processo penal, “o sistema de interrogatório é presidencialista”. Sendo assim, o acusado optou pelo silêncio integral.

Em razão da negativa da magistrada, a defesa do acusado impetrou Habeas Corpus perante o Tribunal de Justiça de São Paulo (“TJSP”), no qual alegou a ocorrência de cerceamento de defesa e pleiteou a realização de novo interrogatório, nos moldes originalmente requeridos pela defesa, além da anulação de todos os atos realizados posteriormente. A 12º Câmara Criminal do TJSP, por unanimidade, concedeu a ordem a fim de determinar a realização de novo interrogatório.

Em seu voto, o Desembargador-Relator Vico Mañas salientou, com base em precedente do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) (HC 628224/MG), que “o interrogatório, embora conduzido pelo d. Juízo, é ato de defesa, muitas vezes, a única oportunidade de o réu exercer a sua autodefesa na instrução criminal”. Sendo assim, o Desembargador decidiu que, por constituir ato de autodefesa, em respeito à garantia constitucional à ampla defesa, “o interrogatório não pode ser submetido a critérios herméticos e extremos como os impostos pela Juíza na hipótese, ‘ou se responde a tudo ou a nada’”.

Além disso, o Relator deixou claro que o cerceamento de defesa imposto pela magistrada de 1ª instância não pode ser disfarçado pela opção do acusado em exercer seu direito de ficar em silêncio, de modo que a magistrada usurpou do acusado o direito de se defender livremente ao longo da instrução do processo.

Por fim, a decisão do TJSP é salutar, uma vez que se adequa a decisões já proferidas pelos tribunais superiores e consolida a ideia de que, embora a formulação de perguntas seja facultada às partes, é garantido ao acusado o direito de escolher a quais questionamentos irá responder, independentemente de quem os fez, de forma livre, não cabendo ao Magistrado limitá-lo. Agora, resta aguardar se as demais Câmaras Criminais do TJSP também seguirão o entendimento firmado e conferirão a segurança jurídica que o tema exige.

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