SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL, RECEITA FEDERAL NÃO PODE COMPARTILHAR DADOS COM MP ANTES DE CONCLUIR FISCALIZAÇÃO, DECIDE STJ

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça entendeu que, antes de concluída a fiscalização do contribuinte suspeito, o compartilhamento de dados entre os órgãos de inteligência e fiscalização e o Ministério Público, ainda que para fins penais, depende de autorização judicial.

A decisão consiste em distinguishing em relação à tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Tema 990 em 2019, que firmou a orientação de que é constitucional o compartilhamento dos relatórios de inteligência financeira dos órgãos da Receita Federal, em que se define o lançamento do tributo, com o Ministério Público para fins criminais, sem a obrigatoriedade de prévia autorização judicial.

No caso concreto, a decisão foi tomada em Embargos de Declaração em Recurso em Habeas Corpus impetrado contra decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. O HC foi interposto pretendendo o reconhecimento da nulidade do compartilhamento de informações sigilosas pela Receita Federal do Brasil ao Ministério Público Federal antes da finalização do procedimento administrativo.

No caso debatido, o Tribunal entendeu não haver hipótese de suspensão da ação penal até a conclusão do procedimento administrativo, uma vez que os dados teriam sido compartilhados antes da primeira decisão judicial de quebra de sigilo fiscal e bancário e foi feito dentro dos limites constitucionais e legais fixados na delimitação do RE nº 1.055.941/SP.

Interposto recurso contra esse acórdão, o STJ também se limitou a decidir a questão com simples invocação do Tema 990, razão pela qual os recorrentes entenderam que o acórdão era omisso, haja vista não haver pronunciamento expresso sobre a ilicitude do compartilhamento de dados altamente individualizados e específicos, antes mesmo da formalização de qualquer lançamento fiscal e, na verdade, antes mesmo de iniciada a própria fiscalização do contribuinte, o que os levou a embargar do decisum.

Em sede de Embargos de Declaração, verificada a omissão, o entendimento foi, inclusive, revisto. Em que pese levado em consideração o Tema 990, foi ponderado que o STF, quando da consolidação da tese, não autorizou o compartilhamento indiscriminado, açodado e plenamente discricionário de dados sigilosos pela Receita Federal ao Ministério Público. Analisando o julgado, compreendeu-se que o RE nº 1.055.941/SP tratava de Representação Fiscal para Fins Penais, instituto legal que autoriza o compartilhamento, de ofício, pela Receita Federal, de dados relacionados a supostos ilícitos tributários ou previdenciários após devido procedimento administrativo fiscal.

Assim, por ter havido compartilhamento das informações entre a Receita Federal e o Ministério Público Federal antes mesmo de finalizado o procedimento administrativo, sem a precedência do lançamento tributário, considerou-se que a requisição ou o compartilhamento ativo, de forma direta, pela Receita Federal ao Ministério Público e, reversamente, com o fim de coletar/fornecer indícios para subsidiar investigação ou instrução criminal não se encontravam abarcados pela tese firmada no âmbito da repercussão geral.

Em hipótese de distinguishing, portanto, foi dado aos Embargos de Declaração excepcionais efeitos infringentes para conceder ordem de Habeas Corpus e declarar a nulidade da prova matriz, obtida mediante compartilhamento de informações fiscais antes do encerramento do procedimento administrativo pela Receita Federal.

Desde a decisão do STF, o STJ vem delimitando o compartilhamento de dados entre a Receita Federal e o Ministério Público nas hipóteses de crime, o que se mostra de grande relevância a fim de evitar abusos, os quais, na maior parte das vezes, impulsiona a atividade investigativa baseada em atos e provas nulas.

CICLO COMPLEXO DE ATOS DE OCULTAÇÃO E DISSIMULAÇÃO EM CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO CONFIGURA CRIME ÚNICO, SEGUNDO STJ

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça entendeu que, quando o crime de lavagem de dinheiro se consumar por meio de ciclo complexo de atos de ocultação e/ou dissimulação, não há continuidade delitiva, mas crime único, haja vista ser característico do delito a prática de diversos atos com o fim de dificultar a rastreabilidade da origem criminosa do produto de crime.

No caso concreto, foi julgado Agravo Regimental em Recurso Especial interposto em razão de condenação pelo crime de lavagem de dinheiro. Segundo a acusação, o réu teria realizado pagamento de valores a uma pessoa jurídica, o qual teria sido diluído em três depósitos bancários, cuja origem foi ocultada por meio de emissão de notas fictícias de prestação de serviços de consultoria e assessoria.

O Juiz, em sentença, condenou o réu por um único crime de lavagem de dinheiro, entendimento que foi alterado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região em sede de apelação. O TRF-4 considerou que cada depósito consistiria em um crime autônomo, havendo, portanto, três delitos de lavagem de dinheiro, ensejando a aplicação da pena em continuidade delitiva, nos termos do artigo 71 do Código Penal.

Já no STJ, o Desembargador convocado Jesuíno Rissato votou pela manutenção do entendimento do TRF-4, enquanto o Ministro João Otávio de Noronha abriu divergência argumentando que os três depósitos configurariam um único ato complexo de lavagem de dinheiro, tendo sido acompanhado pelos demais Ministros.

Segundo o Ministro João Otávio de Noronha, o crime de lavagem de ativos se caracteriza pela prática de atos de ocultação e dissimulação dos proveitos do delito com finalidade de dificultar a rastreabilidade da origem criminosa. No caso em questão, o delito teria sido consumado com a prática de um ciclo complexo de atos que ocorreram em três estados.

Assim, apesar de serem múltiplos os atos de ocultação e dissimulação, todas elas se inserem em um mesmo contexto delitivo de lavagem de dinheiro e foram praticadas para ocultar, em um primeiro momento, o verdadeiro beneficiário dos valores e, em um segundo, para dar aparência lícita ao repasse.

O ciclo complexo de atos, desse modo, pode ser utilizado quando da análise das circunstâncias do crime, previstas no artigo 59 do Código Penal, para fins de dosimetria da pena, não sendo admissível, contudo, o fracionamento do ato complexo para reconhecimento de crimes autônomos em continuidade delitiva, de forma que o ciclo complexo de atos em crime de lavagem de dinheiro configura crime único.

 

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Filipe Magliarelli
Juliane Mendonça

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