CÂMARAS CRIMINAIS DO TJSP DIVERGEM SOBRE POSSIBLIDADE DE CITAÇÃO DE RÉUS POR TELEFONE OU APLICATIVOS DE MENSAGENS EM RAZÃO DA PANDEMIA DO COVID-19

As Câmaras Criminais do Tribunal de Justiça de São Paulo (“TJSP”) divergem sobre a possibilidade de a citação de acusados ser realizada por telefone ou aplicativos de mensagens, em razão da pandemia do Covid-19. A citação é o ato processual por meio do qual se dá ciência ao acusado/denunciado de que ele está sendo processado criminalmente e o chama para apresentar sua defesa.

Uma interpretação do Código de Processo Penal (“CPP”) alinhada com a doutrina especializada aponta para a exigência de que o acusado seja intimado pessoalmente, uma vez que, dentre os requisitos da citação, está a “entrega”, pelo oficial de justiça, da contrafé ao acusado, que nada mais é que uma cópia integral do mandado de citação, e “leitura” do referido mandado para o acusado. Além disso, o não cumprimento dos referidos requisitos suscita a nulidade do mandado de citação (art. 564, inciso III, alínea “e”) e, consequentemente, da própria ação penal, que se forma apenas com a realização da citação do acusado, nos termos do art. 363, do CPP.

Apesar das referidas disposições legais, a pandemia do Covid-19, que limitou ao máximo o contato pessoal entre pessoas, fez com que muitos oficiais de justiça entrassem em contato com denunciados por telefone ou por meio de aplicativos de mensagens, ocasião em que era encaminhada (pelo aplicativo ou por um e-mail indicado pelo acusado) cópia do mandado de citação (contrafé), com a respectiva leitura, além da cópia da denúncia (uma prática comum). Na ocasião, também era perguntado se o acusado possuía advogado ou se necessitaria de um advogado dativo (defensor público ou advogado conveniado na OAB).

Em razão disso, mesmo após os denunciados terem recebido a citação e apresentado suas defesas, muitos habeas corpus foram impetrados no TJSP nos quais se requeria a nulidade da citação e da ação penal, com a consequente realização da citação pessoal do acusado. Um dos argumentos sustentados pelos impetrantes era de que a realização da citação do acusado por telefone ou aplicativos violaria os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, previstos nos incisos LIV e LV, do art. 5º, da Constituição Federal. Ademais, alegava-se que não havia qualquer previsão no CPP que autorizasse essa forma de citação, apesar da situação da pandemia.

Concordaram com os argumentos dos impetrantes as 1ª e 5ª Câmaras de Direito Criminal do TJSP (HC nº 2003893-33.2021.8.26.0000 e HC nº 2205393-87.2020.8.26.0000). Por outro lado, as 7ª, 10ª, 14ª e 16ª Câmaras divergem e lançam mão de argumentos no sentido de que deve ser levado em consideração o momento excepcional que o Brasil está passando. Além disso, alega-se que a nulidade pelo eventual vício na citação pessoal pode ser sanado atingindo-se o seu fim, ainda que praticada de outra forma, conforme a previsão do artigo 572, inciso II, do CPP (HC nº 2063142-12.2021.8.26.0000, HC nº 2231411-48.2020.8.26.0000, HC nº 2030174-26.2021.8.26.0000 e HC nº 2281779-61.2020.8.26.0000).

A divergência confere ao presente contexto uma situação de insegurança jurídica que, inclusive, deverá ser objeto de uniformização pela Turma Especial Criminal, conforme o art. 32 do Regimento Interno do TJSP. Apesar disso, não se pode deixar de considerar que, se a finalidade da citação foi atingida com a devida ciência e manifestação do acusado de que compreendeu, por telefone ou aplicativo, o objeto da acusação e que deverá apresentar resposta à acusação, por meio de advogado ou defensor dativo, não há razão para ser declarada a nulidade do ato nem da ação penal, em razão do princípio da instrumentalidade das formas.

DIRETOR DE EMPRESA NÃO PODE SER DENUNCIADO POR CRIME DE SONEGAÇÃO FISCAL SOMENTE EM RAZÃO DO CARGO QUE OCUPA, DECIDE O STJ

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) decidiu que um diretor de uma empresa não pode ser denunciado por crime de sonegação fiscal somente em razão do cargo que ocupa. No caso concreto, o diretor financeiro e o diretor-presidente de uma grande empresa de telefonia foram denunciados pelo crime de sonegação fiscal previsto no art. 1º, inciso II, da Lei nº 8.137/90.

Após o recebimento da denúncia e a apresentação de resposta à acusação pelos denunciados, o juiz de primeira instância manteve o recebimento da denúncia. Irresignada, a defesa impetrou Habeas Corpus perante o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que foi denegado. Em sequência, a defesa interpôs Recurso Ordinário em Habeas Corpus, que foi improvido em decisão monocrática. Diante disso, a defesa, então, interpôs Agravo Regimental para que o recurso fosse analisado por todos os membros da Sexta Turma do STJ.

Segundo a defesa dos denunciados, a denúncia oferecida era “desprovida de justa causa, pois faltavam indícios suficientes de autoria” e que a imputação teria decorrido tão somente em razão do cargo que os denunciados exerciam na empresa, em evidente situação de acusações temerárias.

Em seu voto, a Relatora do Agravo Regimental, Ministra Laurita Vaz, entendeu que não era o caso de provimento, uma vez que a denúncia apresentava os elementos de tipificação do crime, demonstrando, em tese, o envolvimento dos acusados com o fato delituoso, de modo a permitir, sem dificuldade, que ambos tivessem ciência da conduta ilícita que lhes foi imputada, garantindo o livre exercício do contraditório e da ampla defesa.

Apesar dos referidos argumentos, o Ministro Sebastião Reis Júnior divergiu da Ministra Relatora. Em seu voto, o Ministro sustentou que se estava diante de uma “responsabilidade objetiva”, inadmissível no Direito Penal. Ademais, o Ministro sustentou que “na denúncia, a presença dos pacientes é justificada apenas e exclusivamente em razão de serem diretor e diretor-presidente de uma empresa”.

Além disso, o Ministro argumentou que, quando se trata de uma empresa de grande porte, “o simples fato de os pacientes serem diretor financeiro e diretor-presidente não significa que eles tinham conhecimento ou efetivamente praticaram os fatos apontados como ilegais”. Ademais, o Ministro salientou que, diante de crimes tributários que envolvem empresas de grande porte, os órgãos de investigação (polícia civil/federal) e acusação (Ministério Público) devem aprofundar as apurações para identificar quem realmente são os responsáveis.

Dessa forma, no caso concreto, o Ministro entendeu que não houve cuidado do Ministério Público ao ofertar a denúncia, “de detalhar quais as funções estatutárias dos pacientes e como tais funções os ligariam aos fatos tidos como ilegais”, limitando-se tão somente à indicação dos cargos ocupados e nada mais. O voto do Ministro Sebastião Reis Júnior foi acompanhado por outros três ministros que formaram maioria para dar provimento ao recurso, reconhecer a inépcia da denúncia e trancar a ação penal, sem o prejuízo do oferecimento de nova denúncia.

Por fim, a decisão é salutar, uma vez que estabelece limites para a persecução penal de crimes empresariais, impondo limite ao ímpeto das autoridades de punir gestores das empresas a qualquer custo. A decisão também tende a incentivar maior esforço das autoridades na apuração dos fatos, para evitar denúncias ineptas, genéricas e o desperdício de recursos públicos com persecuções fadadas ao insucesso.

 

JURISPRUDÊNCIA EM TESES – STJ: CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIO, ECONÔMICA E CONTRA AS RELAÇÕES DE CONSUMO

O SÓCIO-GERENTE QUE CONTRIBUI PARA A SONEGAÇÃO FISCAL, MAS QUE DEIXA O QUADRO SOCIETÁRIO DA COMPANHIA ANTES DA CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO TRIBUTO PODE SER RESPONSABILIZADO CRIMINALMENTE, FIXA O STJ

Na última edição (nº 176) do “Jurisprudência em Teses” do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), foi fixada a tese de que “é cabível, no crime previsto no art. 1º, I, da Lei n. 8.137/1990, a criminalização da conduta do sócio-gerente que deixou o quadro societário da empresa antes do lançamento definitivo do crédito tributário, mas que efetivamente praticou o fato típico antes de sua saída”.

A esse respeito, o artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/90 – amplamente conhecida como “Lei de Crimes contra a Ordem Tributária” –, prevê que comete crime contra a ordem tributária quem suprime ou reduz tributo, ou contribuição social e qualquer acessório mediante a omissão de informação ou prestação de declaração falsa às autoridades fazendárias.

No entanto, a consumação do referido crime somente ocorre com o lançamento definitivo do tributo na Dívida Ativa, após o exaurimento do processo administrativo, conforme dispõe a Súmula Vinculante nº 24, do Supremo Tribunal Federal (“STF”): “não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previso no art. 1º, incisos I a IV, da Lei 8.137/1990, antes do lançamento definitivo do tributo”.

Ocorre que, ultimamente, tem sido comum que um dos sócios-gerentes de empresas processadas administrativamente pelo fisco, em razão de dívidas tributárias, deixem a sociedade antes do término do processo e, consequentemente, do início de qualquer apuração no âmbito criminal sobre o eventual envolvimento na conduta ilícita.

Dessa forma, a tese do STJ é editada exatamente para sanar qualquer dúvida sobre a possibilidade de responsabilizar criminalmente o sócio-gerente que deixou a empresa antes da constituição definitiva do tributo, mas que tenha contribuído para a sonegação fiscal apurada em eventual Inquérito Policial, Processo Investigatório Criminal ou Ação Penal.

DEMAIS SÓCIOS ADMINISTRADORES TÊM O DEVER DE EVITAR A SONEGAÇÃO FISCAL DESENVOLVIDA POR UM DOS SÓCIOS-ADMINISTRADORES POR MEIO DA OMISSÃO OU PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÃO FALSA AO FISCO, FIXA STJ

Na última edição (nº 176) do “Jurisprudência em Teses” do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), foi fixada a tese de que “não obstante a hipótese de apenas um dos sócios administradores exercer, rotineiramente, a administração financeira empresarial, há possibilidade de os demais serem considerados autores do crime previsto no art. 1º, I, da Lei n. 8.137/1990, tendo em vista que todos os sócios administradores possuem o dever de evitar o resultado (crime comissivo por omissão), na medida em que aquele não poderia proceder à omissão fraudulenta de recolhimento de tributos e à prestação de informações falsas sem a ciência e o consentimento dos demais”.

A respeito disso, o artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/90 prevê que comete crime contra a ordem tributária quem suprime ou reduz tributo, ou contribuição social e qualquer acessório mediante a omissão de informação ou prestação de declaração falsa às autoridades fazendárias. Para que seja possível imputar esse delito a uma pessoa como, por exemplo, um sócio administrador de uma empresa, é necessário que se demonstre que contribuiu intencionalmente para a omissão de informação ou com o fornecimento de informações falsas para o fisco, com a finalidade de sonegar tributos.

A questão que aqui se coloca é que a tese fixada pelo STJ permitirá a responsabilização criminal dos demais sócios de empresas, mesmo que não sejam administradores e que não tenham omitido ou falseado qualquer informação ao fisco, sob o argumento que os demais sócios também têm o dever de evitar a sonegação, que não poderia ter ocorrido sem o seu conhecimento.

A tese do STJ é passível de inúmeras críticas e talvez seja, inclusive, inconstitucional. Isso porque, ao atribuir deveres genéricos a todos os sócios administradores das empresas, o STJ ignora a alta complexidade da estrutura empresarial, em que se busca a fragmentação das áreas de acordo com a especialidade de cada profissional, que ficam sob os cuidados de administradores com conhecimentos diversos que não incluem necessariamente o contábil ou fiscal.

Por fim, a tese do STJ acaba por permitir uma responsabilidade solidária e objetiva, vedada no Direito Penal, uma vez que a existência do conhecimento e anuência dos sócios passa a ser presumida somente em razão do cargo que ocupam na empresa. Espera-se que referida tese seja revogada, revista ou limitada pelo próprio STJ ou até mesmo pelo Supremo Tribunal Federal.

PENA POR CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA FEDERAL SOMENTE PODE SER AGRAVADA SE O CRÉDITO TRIBUTÁRIO INDEVIDO OU SONEGADO É IGUAL OU SUPERIOR A UM MILHÃO DE REAIS, FIXA STJ

Na última edição (nº 176) do “Jurisprudência em Teses” do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), foi fixada a tese de que “a majorante do grave dano à coletividade, prevista pelo art. 12, I, da Lei n. 8.137/1990, restringe-se a situações de relevante dano, valendo, analogamente, adotar-se para tributos federais o critério já administrativamente aceito na definição de créditos prioritários”.

A respeito disso, o artigo 12, inciso I, da Lei nº 8.137/90, prevê que as penas dos crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo previstos nos artigos 1º, 2º, 4º e 7º da referida lei podem ser agravadas de 1/3 até a metade, se a conduta “ocasionar grave dano à coletividade”.

Durante muito tempo se questionou o que poderia ser considerado como “grave dano à coletividade”, principalmente em relação aos crimes tributários, nos quais qualquer valor de tributo sonegado ou apropriado indevidamente poderia prejudicar a alocação de serviços públicos para um sem-número de pessoas. Por outro lado, considerar qualquer valor de tributo sonegado ou apropriado indevidamente como causador de grave dano à coletividade conduziria à desproporcionalidade na aplicação da lei.

Nesse sentido, vem a tese do STJ para fixar um critério objetivo para a aplicação do agravamento de pena no caso de crimes tributários que envolvam tributos federais. Os chamados “créditos prioritários” na esfera federal são definidos pelo artigo 14, da Portaria nº 320/2008, da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, que dispõe que será conferido tratamento prioritário aos processos judiciais referentes a grandes devedores que tenham valor da causa ou em discussão um montante igual ou superior a 1.000.000,00 (um milhão de reais).

A tese fixada do STJ é de grande relevância, uma vez que, além de fixar um parâmetro objetivo para a aplicação do agravamento de pena, confere segurança jurídica para todos os jurisdicionados. Ademais, a lógica estabelecida na esfera federal também poderá servir de parâmetro para crimes que envolvam tributos estaduais ou municipais, já que não é incomum, no âmbito estadual, a fixação de “créditos prioritários” para fins de tratamentos judiciais diferenciados.

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